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OPINIÃO: Um garoto que amava os Beatles

A escolinha entrou Theatro adentro, eram crianças pequenas, de 4 e 5 anos. Era uma tarde de Concerto Didático e no hall, três músicos recepcionavam o pequeno grande público. Guilherme, com deficiência visual, entrou pelo braço da professora. Percebi que ele arrastava ela até um instrumento. Não me lembro dos três instrumentos que tocavam naquela recepção, mas daquele que chamou a atenção aos ouvidos do Guilherme, sim: era um violoncelo e estava atrás dos outros. A cena foi emocionante, o menino abraçou e acariciou o instrumento para entender do que se tratava e de onde vinha aquele som. Lembro de ter dito à professora que levasse aquela cena até a mãe, que o garoto gostava de música e isso poderia ser muito bom para ele. O tempo passou, este acontecimento tem uns seis anos. Nunca mais vi o Guilherme, mas também nunca esqueci daquela tarde. Aquela criança tinha um ouvido especial, podia não enxergar o mundo, mas ouvia muito melhor do que todos nós ali.

Domingo à tardinha nos acomodamos na plateia da Feira do Livro para assistir a outro garoto, um que amava os Beatles e os Rolling Stones e que lá na infância quis aprender um instrumento que adoramos chamar de nosso, o acordeon. Aprendeu sozinho, pela vontade e o amor pela música. Mais do que isso, resolveu que iria tirar som de todos os ritmos naquela sanfona, inclusive dos Beatles. Fez.

Bom, quando começou a primeira música, chega ao me lado uma mãe e um menino de uns 10 anos. Ele vinha agarrado na mãe e na varetinha que os deficientes usam para se orientar na rua. Sentada, a criança fechava os olhinhos e ficava como quem apreciava aquele momento como ninguém naquela praça. Eu pensava e buscava nas minhas memórias de onde eu tinha uma cena parecida: o Guilherme! Pergunto o nome, era ele. Guilherme cresceu, como cresceu a paixão pela música. Fiquei sabendo, então, que ele tocava acordeon, amava outros instrumentos e estava ali justamente por causa do acordeon e dos Beatles. Não tem como não se emocionar. Prometi a ele que iríamos no palco assim que terminasse. Ele ficou muito feliz, e eu não sei se mais do que ele.

Quase finalizando o show, fomos para a lateral do palco. O show estava superanimado. Passou por aquele acordeon nada menos do que os garotos de Liverpool, Elvis, Raul e Legião Urbana. Só para confirmar a universalidade da gaita.

Quando o Guilherme chegou perto da gaita e do gaiteiro, Diego Dias abraçou e acariciou o instrumento da mesma forma que fez com aquele violoncelo anos atrás. A cena é indescritível, emocionante, tocante. O garoto que ama a música, ama os Beatles e vibra com o som de um acordeon.

Guilherme, obrigada por tudo! Sempre. Jamais vou esquecer este final de tarde de domingo na Praça Saldanha Marinho. A vida é mais bonita com música e você sabe disso.

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